Cineasta com discurso de ódio é condenado no MS

O filme retrata diálogo de fazendeiros que pegam carona com um casal rumo a Sidrolândia

19 MAI 2020Por Wander Ferreira17h20

 

O cineasta Reynaldo Paes de Barros foi condenado pelo Tribunal Regional Federal (TRF3) , no dia 12 de maio, a pagar R$ 100 mil reais por danos morais coletivos após a Justiça entender que o filme "Matem... Os Outros", produzido por ele em 2014, contém discurso de ódio contra a comunidade indígena Guarani-Kaiowá.

Conforme o Ministério Público Federal (MPF), que realizou o pedido de recurso ao TRF3, o filme de 27 minutos retrata um diálogo entre quatro personagens, dois fazendeiros que pegam carona com um casal rumo a Sidrolândia (MS). Durante o trajeto, de acordo com o documento, são veiculados ideais preconceituosos, repletos de ódio étnico contra os índios.

Na obra, um dos personagens afirma que o quadro dos conflitos relacionados às terras indígenas – chamado pelo personagem de "invasão dos índios" – vai durar até ser mudado por um “banho de sangue” . Confira outros trechos do filme extraídos da decisão do TRF 3:

 

"E depois vem a FUNAI lotada de parasitas e ladrões falar em preservar a cultura indígena. Que cultura? De piolho e beiços de pau? Essa gente vive fazendo fogo e riscando pedras, limpam o rabo com folhas. Eles vivem na idade da pedra lascada" - personagem Chico, do filme "Matem... Os Outros"

"O quê é que o índio tem para ser intocável? Qual a contribuição dele para o Estado brasileiro? É um troglodita sem passado. E eu, nós, somos europeus com séculos de história e civilização. Produz colares e cocares. Eu planto toneladas de sojas de milho, porque eu tenho que paparicar e sustentar essa escória pelo resto da minha vida?" - personagem Valdir, do filme "Matem... Os Outros"

Inicialmente, a Justiça Federal de Mato Grosso do Sul julgou improcedente a ação do MPF, dizendo que a obra produzida por Reynaldo não excedeu os limites do regular exercício do direito à liberdade de expressão. O MPF recorreu ao Tribunal, pedindo reforma da sentença.

Na nova decisão, o procurador regional da República Paulo Thadeu Gomes da Silva afirmou que, embora seja um direito fundamental, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e que o próprio ordenamento jurídico impõe alguns limites e restrições a ele. “Os diálogos e cenas construídas pelo diretor acionado violam garantias que vedam qualquer modalidade de preconceito e discriminação”, aponta.

O advogado de Reynaldo, Nelson Araújo Filho, afirmou que a decisão do TRF 3 é uma "censura rasteira". "O filme retrata apenas um índio bêbado, o que, para o cineasta, é um lugar comum. Os personagens defendem o índio alcoolizado e que foi destratado por um dono de bar, primeiramente, e depois comentam sobre a situação, apenas", recorda.

De acordo com Araújo Filho, a obra é de ficção e um Tribunal não pode decidir os critérios para que uma obra como essa seja produzida. Por isso, ele afirmou que irá recorrer da decisão. "Um autor não deve escrever apenas o que eles concordam. A capacidade de se expressar não pode ser talhada por um juiz ou promotor, sendo impossível fixar critérios para um filme de ficção que, inclusive, tem o viés de retratar apenas uma conversa entre quatro pessoas sobre assuntos do cotidiano", alega.

O filme "Matem... Os Outros" obteve, em 2014, R$ 40 mil por meio da Fundação de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul. Em nota, a Fundação de Cultura do estado disse que "opõe-se a todo e qualquer tipo de conteúdo artístico-cultural que promova a violência, a disseminação do ódio ou de intolerância entre as pessoas" e que "embora o filme tenha sido contemplado com recursos do FIC durante gestão da época (2013-2014), a atual diretoria da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul refuta veementemente quaisquer ações culturais que promovam discursos de ódio ou de violência".

Confira a nota da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul na íntegra:

"A atual diretoria da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS) opõe-se a todo e qualquer tipo de conteúdo artístico-cultural que promova a violência, a disseminação do ódio ou de intolerância entre as pessoas. É compromisso e responsabilidade desta diretoria, a promoção, o incentivo e a execução de atividades que aproximem a população das diversas manifestações da arte e da cultura sul-mato-grossenses, fomentando o mercado cultural do Estado e democratizando o acesso a todas as expressões artísticas.

Neste propósito também contamos com o Conselho Estadual de Políticas Culturais de Mato Grosso do Sul (CEPC/MS), colegiado formado por representantes culturais da sociedade civil e do poder público, a quem compete a análise do mérito cultural dos projetos apresentados pela comunidade, para percepção de recursos públicos advindos do Fundo de Investimentos Culturais (FIC).

Assim, embora o curta-metragem "Matem... Os Outros", produzido e lançado em 2014, pelo cineasta Reynaldo Paes de Barros, tenha sido contemplado com recursos do FIC durante gestão da época (2013-2014), e submetido ao crivo do então CEPC/MS (2013/2014), a atual diretoria da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul refuta veementemente quaisquer ações culturais que promovam discursos de ódio ou de violência.

G1

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