TJMS inova com livro adaptado à realidade indígena no combate à violência infantil

MS registrou 1.862 denúncias de violência contra crianças e adolescentes pelo Disque 100

24 MAR 2025Por Autor da notícia: Secretaria de Comunicação - [email protected]08h09

Com olhos atentos e curiosos, dezenas de crianças e lideranças indígenas, juntamente de autoridades locais, reuniram-se no auditório da APAE de Amambai na sexta-feira, dia 21 de março, para um momento histórico: o lançamento do livro Estrelas na Cabana, agora adaptado à realidade indígena.

A iniciativa do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, por meio da Coordenadoria da Infância e da Juventude (CIJ), representa um marco no combate à violência infantil, garantindo que a informação chegue às crianças em sua língua materna, o Guarani Kaiowá.

De acordo com a juíza auxiliar da CIJ, Katy Braun do Prado, o livro já era utilizado em diversas cidades do Estado, porém, pela primeira vez, traz ilustrações e narrativas que respeitam a cultura indígena, facilitando a compreensão e tornando o conteúdo mais próximo da realidade das crianças das aldeias. Segundo a magistrada, a adaptação busca ampliar a conscientização sobre os vários tipos de violência infantil.

Além disso, a juíza mencionou que Mato Grosso do Sul possui a terceira maior população indígena do país e, após o lançamento em Amambai, o Tribunal pretende levar o livro adaptado à realidade deles para todos os povos originários do Estado.

O juiz diretor do foro de Amambai, Diogo de Freitas, solicitou à CIJ que implementasse o projeto na comarca porque acredita ser uma ação importante que o TJMS atue não apenas após a violência ter sido praticada contra as crianças, mas que trabalhar a prevenção também é essencial.

Um problema real, uma solução necessária – Os números reforçam a urgência da ação: em 2024, Mato Grosso do Sul registrou 1.862 denúncias de violência contra crianças e adolescentes pelo Disque 100. Destas, 918 envolviam menores de idade, representando 49% do total de denúncias. Em Amambai, onde há três grandes aldeias e uma população indígena de aproximadamente oito mil pessoas - das quais três mil são crianças - os casos de violência infantil são frequentes e preocupantes.

A psicóloga Elenice Peixoto da Costa dos Santos, que atua na rede municipal de ensino, destaca a importância do livro como ferramenta de proteção e conscientização. “Esse livro foi embasado na cultura deles. Foram mudados personagens, palavras, tudo para se adaptar à realidade deles. É a primeira vez que um livro infantil aborda esse tema no idioma Guarani Kaiowá, e isso fará com que as crianças se sintam valorizadas, familiarizadas e respeitadas”, afirma.

Além disso, a psicóloga ressalta que, antes do livro, não existia nenhum material educativo específico sobre violência infantil adaptado à cultura indígena no Estado. “Sempre tivemos orientações sobre violência, mas nunca nada adaptado à cultura e ao idioma deles. Esse material preenche essa lacuna, possibilitando uma abordagem mais eficaz e acessível”, complementa.

A realidade nas aldeias e a esperança de mudança – O cacique Flaviano Franco, líder da aldeia de Amambai, emocionou-se ao falar sobre o impacto da iniciativa. Segundo ele, muitas crianças indígenas enfrentam uma realidade dura desde cedo, crescendo sem estrutura familiar e expostas a diversos tipos de violência.

“Dentro das aldeias de Amambai, muitas crianças são chamadas de 'guaxa', que significa aquelas que crescem sem pai e sem mãe. Eu diria que entre 70% e 80% das nossas crianças estão nessas condições, e isso gera uma desestrutura emocional que impacta diretamente no aprendizado e no convívio social. Esse livro é uma ferramenta poderosa, pois, pela primeira vez, teremos um material na nossa língua para ser manuseado pelas nossas crianças”, disse emocionado.

Para o líder indígena, a valorização da língua materna é um passo fundamental para o fortalecimento cultural e a conscientização das novas gerações. “As nossas crianças têm acesso a vários outros materiais em outras línguas, mas nunca tivemos um na nossa própria língua. Agora, esse livro vai circular dentro das nossas casas, ajudando nossas crianças a aprender e se proteger em sua própria língua”, destacou.

Educação como ferramenta de transformação – A adaptação do livro Estrelas na Cabana não se limita apenas ao idioma. Segundo a professora Aparecida Benites, da rede municipal de ensino de Amambai, a obra será utilizada de maneira multidisciplinar dentro e fora da sala de aula.

“É um tema sensível, por isso precisa ser trabalhado de forma lúdica. O livro será usado em atividades que envolvem leitura, teatro, contação de histórias e até mesmo produção artística, permitindo que as crianças compreendam a mensagem de maneira natural e envolvente”, explicou a professora.

Para a secretária municipal de Educação, Tânia Aparecida Ruivo Luz, o livro será um importante instrumento para a identificação da violência infantil. “Acredito que o livro vai contribuir para que as crianças percebam quando são vítimas de violência e abusos sexuais”. Ainda de acordo com Tânia, o livro irá atingir a faixa etária de 11 anos.

Durante o evento, a coordenadora de apoio às Articulações Interinstitucionais da CIJ, Doemia Ignes Ceni, ficou emocionada pelo trabalho chegar até os povos originários. “Tenho 23 anos de Tribunal e 11 na CIJ e essa é a primeira vez que estamos levando o trabalho de prevenção de violência infantil adaptado para a realidade indígena. É uma iniciativa pioneira no país e me sinto muito feliz pelo TJMS estar à frente desse projeto”.

Um novo capítulo na proteção das crianças indígenas – O lançamento do livro em Amambai representa muito além de um ato simbólico, mas um passo concreto na luta contra a violência infantil e na valorização da cultura indígena. O material será distribuído em todas as escolas da rede municipal e, com o apoio das lideranças locais, espera-se que a iniciativa se torne um modelo para outras comunidades indígenas do Estado.

Saiba mais – O projeto Estrelas na Cabana, lançado originalmente em 2021 pelas autoras Débora Amaro e Viviane Vaz, já percorreu diversos municípios de Mato Grosso do Sul, impactando crianças e educadores. Com essa nova adaptação, a esperança é que a mensagem de proteção e prevenção chegue ainda mais longe, ajudando a construir um futuro mais seguro para as crianças indígenas do Estado.

 

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